Tourigo, o berço da Touriga Nacional

E se for mesmo verdade? ... estaremos preparados? Para sermos mesmo o berço da touriga nacional? Algum tempo passou desde que lançámos aqui o desafio de propor Tourigo como berço da Touriga Nacional, essa encubadora de taninos dos melhores vinhos nacionais. A ideia ganhou raízes, a início muito circunscritas, para depois "arrepiarem" caminho e lançarem a sua semente por vários sítios do cyberespaço. Porque não é todos os dias que uma freguesia tem como "marca de água" o nome de uma casta como a Touriga Nacional, siga as novidades em Tourigo, berço da Touriga Nacional

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Memórias Paroquiais sobre o Esporão, Tourigo e afins

Em busca do Esporão, Tourigo, Riu Mau, Vale de Besteiros, Pousadas e moínhos em memórias paroquiais, que destacam a qualidade das águas destas "bandas":

A freguesia do Barreiro que confina com o Bispado de Coimbra e primeira do Bispado de Viseu pelo Poente, tem seu princípio em um lugar chamado Vale, este é que dá o nome ao Vale de Besteiros assim chamado pelas Bestas de que usavam, e com elas se defendiam dos Romanos, Godos e Mouriscos, a quem presentaram batalhas com tais armas; e ainda muitos curiosos as guardam para memória. Este lugar Vale é o primeiro da freguesia que começa e se divide do Bispado de Coimbra por um rio chamado Esporão que tem sua origem na Serra da Estaca, fundo da do Caramulo, caminho da Estrada que vai para Aveiro. Consta a freguesia de dez lugares, e a póvoa do Tarrastal junto à ponte da Várzea ; tem duzentos e dezanove fogos, seiscentos e trinta e uma pessoas maiores, e menores, noventa e nove. Tudo isso é Província da Beira, Bispado, Comarca e Provedoria de Viseu, Termo de Tondela.
Tem três senhorios: os Condes de Atouguia, de que se pagam foros em parte desta freguesia ao Real Celeiro, e dois prazos de que se paga, além dos foros do Natal, razão de seis, um de todas as novidades à Casa da Torre de Figueiredo das Donas, e à casa do Doutor Tomás Marques Pimenta, de Vilar, cujos prazos e fazendas foram de Luis de Azevedo Lobo, natural do lugar de Arnosa desta freguesia, descendentes de Lopo Fernandes de Azevedo e sua mulher Brites Afonso que ambos com seu filho Manuel de Azevedo, instituíram a Capela de S. Sebastião de Castelões, Matriz desta Igreja com obrigação de cento e cinquenta Missas cada ano, ao que obrigaram a metade da Ramira, junto à Cortiçada, com seus foros e rações, umas fazendas no Linheiro, e dois outros casais em Múceres, quase tudo em Falorca, e um quintal no Casal que hoje se presume usufruir Gonçalo Coelho com outros bens, tanto porque Luis de Azevedo, ausentando-se para Lisboa onde agora tem um Neto por nome, Doutor Luis Ferreira de Araújo e Azevedo, que administra e percebe a parte dos frutos dos ditos casais, com a obrigação das Missas; e no tempo da ausência, o dito Luis de Azevedo deixou por Procurador a um Avô do tal Gonçalo e utilizaram-se dos seus bens ele e seus herdeiros por o verem ausente na distância de cinquenta léguas, que é o que dista daqui à cidade de Lisboa, como porque, deixando-o por Procurador, foi chamando os bens seus, foi fazendo novos prazos em si, e hoje se acha senhor dos bens do Quintal e Cortiçada, com grande dano da Capela.
Está esta freguesia situada junto à Serra do Caramulo, tem Igreja Anexa à do Salvador de Castelões, e é Curato dos mais rendosos deste Bispado: o seu orago é Nossa Senhora da Natividade, e se festeja a oito de Setembro. Tem cinco altares, o Maior, o do Menino, o de Santo António e S. Sebastião, ambos no mesmo, o de S. João Baptista, em Capela à parte; porque se divide do corpo da Igreja com umas bem lavradas colunas que aguentam todo o corpo da Igreja, que é magnífica; e tem no tecto nove linhas, com nove ordens de forro. Sujeita ao Vigário de Castelões que o apresenta, e à obrigação da Capela Maior, e residência está obrigado o Comendador Rodrigo António, filho de Pedro de Figueiredo, de Lisboa, de cuja Comenda dá alguma porção ao Cura. Tem esta Capela de S. João que está incorporada na Igreja, uma Irmandade Ilustre e antiga, que o festeja no seu dia, com aniversário no seguinte, e festa da Degolação a 29 de Agosto. Este lugar do Barreiro é o mais populoso de toda a freguesia, pois conta perto de cem vizinhos; e tem uma Capela particular no meio com a invocação de Santa Ana; o lugar das Pousadas, uma da Senhora da Conceição; o Tourigo, outra de Santo Amaro; o Vale, outra de S. Domingos; o Borralhal, outra de S. Simão, ainda outra de S. Tiago; a Corveira, outra de S. Pedro; a Tojosa, outra de Santo Estêvão; e cada povo sustenta a sua.
Tem mais uma Ermida tão sumptuosa como se fosse Igreja no sítio da Ribeira, entre o lugar do Barreiro e Tojosa, com sua Irmandade sem número; tem três altares todos privilegiados para todas as Missas que neles in perpetuum se celebrarem por qualquer Irmão, Irmã ou Confrade da dita Irmandade. Sua invocação é a Senhora do Rosário. Antigamente se chamou Senhora do Verde, ao depois, Senhora da Ribeira, por nela estar situada; até que, promulgando-se por algum Religioso Domínico, a devoção do Rosário, este lhe mudou os títulos antigos para este que hoje tem. É tão antiga que não se sabe sua origem: alguns querem ficasse dos Mouros, muitos afirmam que dos Godos; porém só o forro parece ser de algum poderoso, que antes desta Paróquia, tinha por sua aquela Ermida, tanto pelos bens adjacentes, como porque esta Ermida, pelo decurso do tempo, tem sido acrescentada por três vezes e ultimamente, haverá menos de dez anos, mandando-se ladrilhar, se acharam junto ao púlpito que hoje tem, os ossos de um defunto, donde se mostra que era senhor dela, que ali se mandou sepultar, antes de haver Paróquia. O Domingo depois do dia de S. Tiago se faz nela um vodo a que concorre não só toda a freguesia mas ainda alguns moradores das circumvizinhas e Bispado de Coimbra, sem que se saiba seu princípio. Celebra-se debaixo de dois carvalhos tão imemoráveis, como o vodo e Capela, sem se saber a causa por que foi instituído; só consta por tradição ser por algum especial favor que a Senhora fez a esta freguesia. O que se tem experimentado é que, tendo crescido tanto o número dos fregueses, e com ele o dos pecados, nunca nesta freguesia houve gafanhosa, pulgão, ou geral queima de videiras, ficando tanto junto à Serra, onde as trovoadas mais ofendem: nem pedra, nem ponta de trovoada aqui se têm experimentado, só haverá menos de dois anos, em umas casas de João Luis de Almeida, do lugar de Corveira, Brasileiro que há poucos veio do Brasil, caiu um Cristo que, dando pelo prechal da casa, caiu ao canto da mesma, deixando intacta uma louça que ali tinha, e a ele, e seus sobrinhos que todos ali estavam deitados de noite, e ao mesmo tempo: o que tudo se atribui a milagre da Senhora pelo voto antigo do vodo, em que se dão muitas esmolas a pobres, e às confrarias, e Irmandades da Igreja, e outras devoções de fora, de que percebem bons rendimentos. Tem esta Ermida na porta principal em uma pedra, que está no meio do portal, quando se entra à mão esquerda, umas letras que se diz serem mouriscas, para mostrar sua antiguidade, que constando só de quatro, tem os caracteres seguintes:donde se vê e prova a sua antiguidade: a ela concorre todos os sábados do ano muito número de fiéis e todos os primeiros domingos de cada mês, vai a procissão da Igreja com toda a freguesia; celebra-se a sua festa principal por conta da confraria no primeiro domingo de Maio, com o singular Título da Rosa, e a da Irmandade no primeiro domingo de Outubro com o Título do Rosário, e no dia seguinte Aniversário pelos defuntos irmãos. Mostra-se haver neste sítio algum tempo povoação, pelas pedras, telhas e tijolos, que por ali se acham. É muito milagrosa e se lhe oferecem muitas mortalhas e muitos milagres de cera: e no dia dos Santos de 1755, que eu no seu Altar disse Missa, estando antes fazendo Doutrina aos Meninos, se viu que a dita imagem estava suando como lágrimas que corriam, talvez pedindo a seu amado Filho (como creio) livrasse esta freguesia do Terramoto; e assim se experimentou; pois sendo tantos os balanços da terra, que até as lajes mármores se desuniam, e caíam as pedras e telhas das casas nas freguesias circumvizinhas, nesta se experimentou a mínima ruína com o patrocínio da Senhora, como creio e o tenho julgado.
Dista esta freguesia quase cinco léguas da cidade de Viseu, sua cabeça: serve-se do correio de Tondela, que dista légua e meia dela, e é o mesmo que vai de Coimbra para Viseu. Sua Paróquia está dentro do mesmo lugar do Barreiro. Os frutos desta freguesia são: centeio, milho, feijão, azeite, mel, boleta de carvalho e sobro, e castanha; seu clima mui temperado, águas excelentes, abundante de árvores de espinho, e mais frutas, maxime nos lugares que estão na raiz da serra do Caramulo, e seus confins que se acham regados com as copiosas águas da mesma serra, que fazem deliciosa e agradável à vista os muitos prados que com elas se regam neste País.
Sua caça são lebres, coelhos, perdizes e algumas vezes se caçam javalis que arruínam as searas; também não faltam lobos que infestam o gado; e alguns há térreos ainda mais danosos.
Esta serra do Caramulo que tem seu princípio no Vale do Trigo, estrada de Aveiro, assim de Pipas como de Bestas, e passageiros para o Porto, e fenece onde se chama Ribamá, junto ao Solar de Figueiredo das Donas ou S. Pedro do Sul; terá neste território nove léguas de comprido mais ou menos, e desta freguesia até ao rio Vouga, terá de largo quatro léguas.
No distrito desta freguesia correm quatro rios que nela nascem: o primeiro chamado Esporão ou Rio Mau, que a divide do Bispado de Coimbra como acima se disse; o segundo que nasce do alto da serra chamado o Cabreiro, que junto com os nascentes do Ribeiro Maior, e outro Regato que nasce junto do lugar de Jueus, chamado Ninho do Corvo, formam um rio que passa junto ao lugar do Barreiro; o terceiro, tendo o seu nascimento bem ao pé do Caramulo, e na raiz do seu outeiro, vem dar ao lugar da Tojosa sem outra mistura (porque este não quer ser bastardo) e distância de meio quarto se junta com o do Barreiro, que alegremente de companhia, unindo-se com o quarto, que nascendo da mesma serra, passa junto à Igreja de Castelões, qualquer deles o mais irado que se ver pode, sem esperanças de se aquietarem, e como achem companheiros como o do Pego Longo no fim do distrito desta freguesia, começam a tecer as pazes correndo com menos ira neste chamado – Crins – em distância de uma légua dos seus nascimentos e mais que de duas para diante, dando-se cabalmente as mãos de amigos, se misturam com o Dão, que benignamente os recebe e contratados todos, fazem sua foz no Mondego, que ainda que na aparência pareça diverso e mui pacífico sem ósculo de traição, qual outro Judas, vai morrer à Figueira.
Há nesta serra, ou no distrito que descrevo, muita criação de gado vacum e de sela – lã – muito fértil de ervas para gados, coelhos e perdizes; mas se caçam com muito custo pelo inculto do sítio. Estes tais rios nascem sem nome, e são muito naturais de Bogas, Barbos, Bordalos, e uns inocentes a que chegamos mais vezes chamados Ruivalos. Há também algumas Trutas, mas raras, e poucas vezes se vêem cá lampreias; e para satisfazer ao terceiro interrogatório juntamente com este. Digo que a naturalidade dos rios é muito boa, assim o mostram as contínuas regadas de suas veigas – com as muitas ervas que produzem para pasto de todos os gados que há nesta freguesia: assim eles não foram tão importunos nos seus enchentes que tirando nesta terra a melhor substância, como ladrões, a vão sepultar nas áreas do campo de Coimbra, ambiciosos de o fazer mais largo, e retrocedendo as mesmas com a nossa terra, capazes de alagar a cidade e pôr em termos a ponto de negar sua passagem a barcos e gente. Enquanto correm neste distrito, usam todos comummente de suas águas. E todos correm para o nascente entre Sul. Nunca deixam de manar de sorte que ainda na maior esterilidade, sempre os moradores desta freguesia e outras moem nos seus moinhos, e outros, pão, para sua casa e família.
Em todos eles há moinhos, lagares de azeite, pisões, e os engenhos que cada um intentar. Todos têm suas pontes de pau e alguns de pedra: oxalá foram todos!
E porque me ocorre uma memória que me dizem não vai descrita na freguesia do Guardão, a meterei aqui, visto estar no rio, no princípio do rio, que do Caramulo vem a este lugar da Tojosa; e é que junto ao seu princípio, entre a Póvoa do Cedrozo = lugar das Laceiras = está em um ermo uma fonte memorável pelo artifício que tem lavrado e com seus letreiros para cuja fábrica há várias opiniões; porque uns dizem fora fábrica dos romanos, outros dos Mouros que assistiam muito nestas terras e aqui tiraram muitos metais especialmente ouro, prata, estanho, de que deixaram grandes tesouros, de que muitos se têm aproveitado, e o mostram os fossos e muitos indícios que nesta freguesia se admiram, e nas circumvizinhas, abrindo-se brechas em pedras mármores, que eles sem dúvida por artes diabólicas faziam. Donde se têm alguns aproveitado, e de outras coisas que se têm achado neste distrito: outras se acham sem nada. Sendo que o mais certo sobre a dita fonte é que certa pessoa nobre dos confins da Serra da Estrela por fugir ao rigoroso do castigo que seus crimes mereciam, veio para este deserto e serra; como fazia habitação junto àquela fonte, quis eternizar sua memória com a fábrica dela, e com os caracteres e letreiro que nela deixou; não sei mais coisa de memória desta freguesia, só sim que foi habitada dos Mouros e o mostram as aparências de uns círculos que se acham sobre o lugar de Tojosa, em três outeiros: o primeiro chamado a Cabeça, outro, a Fervença, junto ao porto do Crasto, outro defronte onde chamam a Panasqueira, que todos têm indícios de terem sido murados: ou fosse dos Mouros, ou dos Cristãos, que para se defenderem subiam a estes sítios e neles habitavam o que mais creio; e por verdade fiz de recomendação do Reverendo Padre Caetano Ferreira de Almeida esta descrição, que com ele aqui, como Cura desta Igreja, assinei, e eu Padre Manuel Antunes da Veiga que o escrevi.
O B.c Manuel Antunes da Veiga
O Padre Cura, Caetano Ferreira de Almeida.
http://arlindo-correia.com/141108.html
____ Convencionou-se chamar “Memórias Paroquiais” aos textos enviados pelos párocos de Portugal Continental em resposta ao questionário que lhes remetera através dos seus Bispos a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino em 1758, dirigida então pelo Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo – Aviso de 18 de Janeiro de 1758._____
Mais info. em "Atlas Cartografia histórica", http://www.fcsh.unl.pt/atlas2005/index1.html. Para saber mais sobre o concelho de Besteiros, onde constam referências a Tourigo, consultar: Do concelho de Besteiros no Antigo Regime ao concelho de Tondela.

Peripécias no Tourigo há 100 anos

Mais uma referência na regosfera ao Tourigo, desta feita pelo Jornal do Centro, em geito de memória centenária:

Há 100 anos
Tondella

Extraordinaria manifestação de regosijo pela queda dos progessistas. Nunca aqui assistimos a manifestação tão enthusiastica, tão imponente e grandiosa.E’ que esse misero governo caiu execrado pelo paiz inteiro a que não fez nenhum bem e a que causou tão grandes males.N’este concelho só soube perseguir ferozmente os adversarios. Melhoramentos nem o mais insignificante.As estradas de Muna, Barreiro, Guardão e outras, ficaram como os regeneradores as deixaram.

No Tourigo, onde revoltas de odio só pensaram em achincalhar e vexar o nosso prestimoso amigo padre Esequiel. Os medicos dr. Felicio e Lacerda foram acossados como se fossem féras bravias. O sub-inspector dr. José de Mattos foi violentamente deslocado, acto indigno, sem justificação de qualquer especie. (…)Diz-se que a nomeação de administrador recairá no sr. dr. Rodrigo Tudélla, ou no sr. Frederico Correia. (...)

ed. 362, 20 de Fevereiro de 2009
http://www.jornaldocentro.pt/?lop=conteudo&op=142949df56ea8ae0be8b5306971900a4&id=c16a5320fa475530d9583c34fd356ef5